Aclamado “Príncipe dos Humanistas”,
Erasmo de Roterdã foi considerado o maior vulto do humanismo cristão. Os
humanistas já não aceitavam os valores e as maneiras de ser e viver da Idade
Média. A fonte de aspiração desses autores era a produção cultural da
Antiguidade greco-romana.
Em 1492 foi consagrado sacerdote,
mesmo criticando a vida monástica e as características que julgava negativas
para a Igreja Católica. Em 1495, Erasmo conseguiu uma bolsa para Paris e
ingressou no famoso Colégio de Montaigu,
anexo à Sorbonne. Lá ele estudou para obter o grau de doutor em teologia.
Insatisfeito com as hostilidades às novas ideias vindas da Itália, abandonou o
curso. Passou a lecionar buscando sua independência.
Seu anticlericalismo se manifestava na
forma de uma crítica mordaz da vida religiosa de seu tempo, mais
especificamente, da hierarquia eclesiástica, particularmente da cúria romana. Os
humanistas também depreciavam o escolasticismo medieval tão disseminado em sua
época. Eles preferiam assuntos práticos, relacionados à sociedade e à vida
cívica, do que as discussões filosóficas e racionalistas que haviam tomado
conta das universidades europeias.
Dedicado à leitura dos clássicos, ele se tornou um dos homens mais cultos da época. Para ele, pagãos como Cícero e Sócrates mereciam bem mais o nome de santos do que muitos cristãos canonizados pelo papa. “São Sócrates, orai por nós”, era o seu famoso lema.
Toda educação saudável é uma educação sem controle religioso
Como os demais humanistas, Erasmo cria que o avanço moral da humanidade era possível por meio da educação. Para ele, a conduta moral devia ser uma espécie de teste da verdade em questões de doutrina. Por essa razão, ele é visto mais como um reformador moral do que doutrinário.
Mesmo que a sua vida como professor
tenha sido curta, a educação permaneceu um interesse vitalício e um tema
central em seus escritos (ver especialmente Margolin
1995). Erasmo confiava no potencial dos seres humanos para a busca do aperfeiçoamento
que, na sua visão, era uma decorrência da aceitação do livre-arbítrio. O poder
da vontade era preponderante na criação sobre a natureza. Por isso, era dever
dos pais e professores garantir que as crianças realizassem seu potencial, e
dos adultos viver de acordo com ele.
Erasmo defendia o término do domínio
religioso na educação. Ele defendeu o conhecimento dos clássicos bem como a
autonomia do saber em relação à religião. Acreditava que a melhor maneira de
resolver os problemas da Igreja era um renascimento mais suave por meio dos
benefícios purificadores da educação, do conhecimento e da oração. Essas ideias
foram reveladas no capítulo 1504 do seu livro Enchiridion Militis Christiani (Manual do Soldado Cristão).
Seus desentendimentos com o dogmatismo
teológico começaram cedo, ainda em Paris, no colégio Montaigu. Como outros humanistas, ele opôs-se ao obscurantismo e à
intolerância das ordens religiosas, tornando-se uma das figuras centrais do Humanismo
na Renascença.
A postura liberalizante de Erasmo o
afastou de vez de todo dogmatismo e o levou a uma posição reformista moderada,
na qual abria espaço à tolerância como a única base viável para transformar a
igreja.
Precursor da Reforma da Igreja
Em 1499, na Inglaterra, ele conheceu Thomas More e se tornaram amigos por
toda a vida. Estudou grego em Oxford e tornou-se amigo do humanista John Colet. Erasmo idealizou, junto com
Thomas More e Colet, o projeto de restauração da teologia, com novas edições
dos textos sagrados, a partir do grego e do latim.
Colet acelerou a ambição de Erasmo de ser um “teólogo primitivo”, alguém que exporia as Escrituras não da maneira argumentativa dos escolásticos, mas da maneira de São Jerônimo e outros Padres da Igreja, que viveram em uma época em que a arte clássica da retórica ainda era compreendida e praticada. Ele retornou ao continente com uma cópia latina das Epístolas de São Paulo e a convicção de que a “teologia antiga” exigia o domínio do grego.
Em 1500 publicou Adágios, uma coleção de citações latinas e provérbios. Para a
época, a obra representou o máximo em Literatura de divulgação e tornou célebre
o nome do autor.
A vida errante levou-o de volta à
Paris, onde se dedicou ao estudo do Novo
Testamento. Retornou à Inglaterra em 1505. Em 1506, já na Itália, ele
conseguiu a “dispensa papal de obediência
aos costumes e estatutos do Convento de Steyn”. Em Roma, frequentou o
círculo intelectual do papa Júlio II,
mas confessou que ficou horrorizado com a entrada triunfal do papa em Bolonha. Convencido
que o belicoso Júlio II era sucessor de César e não de Cristo e com a expansão
do poder papal, ele sentiu a necessidade de uma reforma na igreja.
A maior contribuição teológica de
Erasmo e a verdadeira centelha do que seria a Reforma Protestante foi, com certeza, a publicação de sua edição do
Novo Testamento em grego, em 1516. Ele
pretendia, com ela, substituir a de Jerônimo.
Porém, sua ambição de se tornar um Jerônimo revivido foi frustrada pelo Concílio de Trento que, em 1559,
condenou a tradução latina. Mesmo assim, ele alcançou a imortalidade na medida
em que sua edição do texto grego foi a base para diferentes traduções
protestantes e ficou conhecida como Textus
Receptus.
A edição de Erasmo foi comercializada
por Johann Froben, seu editor, como a
primeira edição grega publicada. Erasmo expressou, no prefácio da obra, que seu
desejo era que cada pessoa tivesse a chance de ler a Bíblia.
Embora seja considerada a primeira edição moderna do Novo Testamento nesse idioma, ela foi precedida por uma edição bilíngue (grego e latim) de toda a Bíblia, a qual foi impressa dois anos antes e se tornou conhecida como a Poliglota Complutense.
Seu esforço em publicar o Novo Testamento na língua original surgiu em decorrência das influências humanistas que existiam na época. Esse movimento renascentista, que começou na Itália, alimentava o entusiasmo pelo estudo da arte clássica. Por esse motivo, havia um interesse peculiar em “voltar às fontes”, priorizando obras literárias em sua língua original.
Foi ele quem, possivelmente, mais contribuiu para lançar as bases do movimento da Reforma Protestante. Ao mesmo tempo em que deu significativo impulso para o estudo da Bíblia, também expôs o fanatismo e a ignorância monásticos, bem como os abusos eclesiásticos.
Apesar disso, ele jamais se declarou reformador no sentido protestante do termo. Chegou até a anunciar “guerra” contra Lutero. Embora continuasse discordando de Roma em muitos aspectos, não se dissociava dela. Seu desejo era uma reforma dentro da igreja e do papado.
Erasmo antecipou em suas obras literárias vários conceitos que, posteriormente, seriam considerados princípios típicos da Reforma Protestante, como o individualismo religioso; ou seja, a noção de que a verdadeira religião consiste na devoção interior e não em símbolos externos de cerimônias e rituais.
Por suas posições em relação à Igreja,
ele adquiriu inimigos de ambos os lados, o que lhe trouxe amarguras em momentos
diversos de sua vida. Porém, nada disso impediu que ele se tornasse muito
respeitado em toda a Europa. Sua vida, obras e opiniões teológicas são objetos
de estudo necessários a qualquer pessoa que deseja conhecer mais profundamente
as origens da Reforma Protestante.
Erasmo versus Lutero
A relação de Erasmo com a Reforma Luterana
foi complexa. No início, ele era favorável a mudanças na igreja e simpatizava
com as críticas a ela feitas pelo reformista radical Martinho Lutero. Discordava também dos que, além de Lutero,
enfatizavam a dependência do arbítrio humano à vontade divina. Em 1524, ele
publicou seu famoso ensaio sobre o livre-arbítrio De Libero Animal (Do Livre Arbítrio), opondo-se a Lutero, para quem
as pessoas não escolhiam livremente sua salvação, mas eram os sujeitos da
predestinação. Lutero respondeu com violência e isso causou a ruptura entre
ambos.
A obra foi escrita quando Erasmo estava em Basileia, na Suíça, morando lá desde 1521. A cidade tornou-se um foco de reformadores radicais a ponto de o culto católico ser ali proibido. Em 1529, ele se mudou para Friburgo, na Alemanha, onde trabalhou na universidade católica. Retornou à Basileia em 1535.
Erasmo não dava grande importância às 95 teses de Lutero pregadas na porta de
uma igreja, mas concordava com a crítica à venda de indulgências. Em muitas de suas obras, ele já havia
formulado as convicções de Lutero, contrárias à prática mecânica dos ritos e ao
culto fetichista de santos e relíquias, que substituem a religião baseada na
piedade.
Erasmo acreditava piamente na Bíblia e
a reverenciava como revelação divina. Para ele, a Escritura era a verdadeira
fonte de teologia e devoção. Contudo, faltou-lhe uma compreensão mais profunda
acerca do pecado e da graça. Essas doutrinas ocuparam mais detidamente o
pensamento de Lutero. De fato, Erasmo e Lutero divergiram em vários aspectos.
“Erasmo era dezoito anos mais velho que Lutero, e estava no auge da sua fama
quando o reformador iniciou sua obra. Ele diferia de Lutero como Jerônimo diferia
de Agostinho […]. Erasmo era essencialmente um erudito, Lutero, um reformador;
o primeiro estava absorvido na Literatura, o outro, na religião. Erasmo visava
à iluminação, Lutero, à reconstrução. O primeiro desenvolveu o intelecto de uma
pessoa educada; o segundo tocava o coração do povo. Erasmo lutava pela
liberdade de pensamento; Lutero, pela liberdade de consciência” (History of the Christian Church, v. 7, p.
412).
Elogio da Loucura
Instalado na casa do amigo Thomas Morus, em Londres, ele escreveu,
em 1509, Elogio da Loucura. A obra
traz uma crítica feita de uma forma irônica, porém objetiva e direta, aos
costumes da fé cristã pregada pela Igreja Católica da época, sem atacar ninguém
pessoalmente. Erasmo apresenta a Loucura
como uma deusa que se intitula a grande responsável pelos deleites que o ser
humano deseja obter no mundo. E é a Loucura quem fala em nome dele, que se
coloca em uma posição inatacável e lhe permite todas as audácias.
Indignado com o luxo pagão das cidades
dos papas, em que as críticas abertas podiam conduzir à fogueira, Erasmo
utilizou a loucura para denunciar todos esses abusos. Dizia ele: Quantos tesouros materiais os santos padres
abandonariam, se o juízo se apoderasse um dia de seu espírito. Sem dúvida,
Elogio da Loucura é uma obra-prima. Ela foi publicada em 1511 e dedicada a seu
amigo Thomas More.
A vida como um acadêmico profissional
Enquanto estava em Paris, Erasmo tornou-se conhecido como um excelente estudioso e palestrante. Um de seus alunos, William Blunt, Barão Montjoy, concedeu a ele uma pensão, permitindo-lhe adotar uma vida de estudioso independente, de cidade em cidade ensinando, dando palestras e correspondendo-se com alguns dos pensadores mais brilhantes da Europa.
Erasmo morreu sem chegar ao
entendimento de muitas verdades que seriam restauradas durante os séculos
seguintes. Conforme a Bíblia menciona em Provérbios 4:18, a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e
mais até ser dia perfeito. Apesar de ter sido um grande estudioso e se
tornado a grande expressão do humanismo cristão da época, ele também teve suas
limitações. Porém, não é possível mensurar o valor de sua contribuição,
sobretudo o de sua publicação do Novo Testamento Grego.
Obras de Erasmo de Roterdã
Erasmo foi um sábio e ávido leitor.
Escreveu diversas obras literárias, filosóficas e de teor religioso das quais
se destacam:
- Manual do Cavaleiro Cristão
- Elogio da Loucura
- Os Pais Cristãos
- Colóquios Familiares
- As Navegações dos Antigos
- Preparação para a Morte
Embora Erasmo não seja considerado por
muitos estudiosos um reformador no sentido mais estrito do termo, não se pode
negar sua influência sobre vários reformadores. Seu interesse pelas artes e as
línguas clássicas, bem como sua ênfase na educação como meio de superar a baixa
moralidade de sua época influenciaram de maneira marcante a teologia dos
reformadores e sua mensagem de que cada pessoa devia conhecer a Bíblia por si
mesma.
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