segunda-feira, 30 de maio de 2022

ERASMO DE ROTERDÃ – O TENSO EQUILÍBRIO ENTRE LIVRE-ARBÍTRIO E PREDESTINAÇÃO

 





O maior vulto do Humanismo cristão


Erasmo de Roterdã, batizado Desidério Erasmo, nasceu em 28 de outubro de 1466 na cidade de Roterdã. Teólogo e escritor holandês, dedicou toda sua vida à causa da reforma interna da Igreja Católica. Seu sonho era uma Europa espiritual unida, com uma língua comum que aproximaria todas as pessoas. Filho de um religioso e de uma mulher da burguesia, dedicou sua vida à teologia, cursando o Seminário dos Monges Agostinianos. Mais tarde, porém, criticou a vida monástica, o clero e a Igreja.

Aclamado “Príncipe dos Humanistas”, Erasmo de Roterdã foi considerado o maior vulto do humanismo cristão. Os humanistas já não aceitavam os valores e as maneiras de ser e viver da Idade Média. A fonte de aspiração desses autores era a produção cultural da Antiguidade greco-romana.


Em 1492 foi consagrado sacerdote, mesmo criticando a vida monástica e as características que julgava negativas para a Igreja Católica. Em 1495, Erasmo conseguiu uma bolsa para Paris e ingressou no famoso Colégio de Montaigu, anexo à Sorbonne. Lá ele estudou para obter o grau de doutor em teologia. Insatisfeito com as hostilidades às novas ideias vindas da Itália, abandonou o curso. Passou a lecionar buscando sua independência.


Seu anticlericalismo se manifestava na forma de uma crítica mordaz da vida religiosa de seu tempo, mais especificamente, da hierarquia eclesiástica, particularmente da cúria romana. Os humanistas também depreciavam o escolasticismo medieval tão disseminado em sua época. Eles preferiam assuntos práticos, relacionados à sociedade e à vida cívica, do que as discussões filosóficas e racionalistas que haviam tomado conta das universidades europeias. 


Dedicado à leitura dos clássicos, ele se tornou um dos homens mais cultos da época. Para ele, pagãos como Cícero e Sócrates mereciam bem mais o nome de santos do que muitos cristãos canonizados pelo papa. “São Sócrates, orai por nós”, era o seu famoso lema.


Toda educação saudável é uma educação sem controle religioso

 

Como os demais humanistas, Erasmo cria que o avanço moral da humanidade era possível por meio da educação. Para ele, a conduta moral devia ser uma espécie de teste da verdade em questões de doutrina. Por essa razão, ele é visto mais como um reformador moral do que doutrinário.



Mesmo que a sua vida como professor tenha sido curta, a educação permaneceu um interesse vitalício e um tema central em seus escritos (ver especialmente Margolin 1995). Erasmo confiava no potencial dos seres humanos para a busca do aperfeiçoamento que, na sua visão, era uma decorrência da aceitação do livre-arbítrio. O poder da vontade era preponderante na criação sobre a natureza. Por isso, era dever dos pais e professores garantir que as crianças realizassem seu potencial, e dos adultos viver de acordo com ele.


Erasmo defendia o término do domínio religioso na educação. Ele defendeu o conhecimento dos clássicos bem como a autonomia do saber em relação à religião. Acreditava que a melhor maneira de resolver os problemas da Igreja era um renascimento mais suave por meio dos benefícios purificadores da educação, do conhecimento e da oração. Essas ideias foram reveladas no capítulo 1504 do seu livro Enchiridion Militis Christiani (Manual do Soldado Cristão). 


Seus desentendimentos com o dogmatismo teológico começaram cedo, ainda em Paris, no colégio Montaigu. Como outros humanistas, ele opôs-se ao obscurantismo e à intolerância das ordens religiosas, tornando-se uma das figuras centrais do Humanismo na Renascença.


A postura liberalizante de Erasmo o afastou de vez de todo dogmatismo e o levou a uma posição reformista moderada, na qual abria espaço à tolerância como a única base viável para transformar a igreja.


Precursor da Reforma da Igreja


Em 1499, na Inglaterra, ele conheceu Thomas More e se tornaram amigos por toda a vida. Estudou grego em Oxford e tornou-se amigo do humanista John Colet. Erasmo idealizou, junto com Thomas More e Colet, o projeto de restauração da teologia, com novas edições dos textos sagrados, a partir do grego e do latim.




Colet acelerou a ambição de Erasmo de ser um “teólogo primitivo”, alguém que exporia as Escrituras não da maneira argumentativa dos escolásticos, mas da maneira de São Jerônimo e outros Padres da Igreja, que viveram em uma época em que a arte clássica da retórica ainda era compreendida e praticada. Ele retornou ao continente com uma cópia latina das Epístolas de São Paulo e a convicção de que a “teologia antiga” exigia o domínio do grego.


Em 1500 publicou Adágios, uma coleção de citações latinas e provérbios. Para a época, a obra representou o máximo em Literatura de divulgação e tornou célebre o nome do autor.


A vida errante levou-o de volta à Paris, onde se dedicou ao estudo do Novo Testamento. Retornou à Inglaterra em 1505. Em 1506, já na Itália, ele conseguiu a “dispensa papal de obediência aos costumes e estatutos do Convento de Steyn”. Em Roma, frequentou o círculo intelectual do papa Júlio II, mas confessou que ficou horrorizado com a entrada triunfal do papa em Bolonha. Convencido que o belicoso Júlio II era sucessor de César e não de Cristo e com a expansão do poder papal, ele sentiu a necessidade de uma reforma na igreja.


A maior contribuição teológica de Erasmo e a verdadeira centelha do que seria a Reforma Protestante foi, com certeza, a publicação de sua edição do Novo Testamento em grego, em 1516. Ele pretendia, com ela, substituir a de Jerônimo. Porém, sua ambição de se tornar um Jerônimo revivido foi frustrada pelo Concílio de Trento que, em 1559, condenou a tradução latina. Mesmo assim, ele alcançou a imortalidade na medida em que sua edição do texto grego foi a base para diferentes traduções protestantes e ficou conhecida como Textus Receptus.




A edição de Erasmo foi comercializada por Johann Froben, seu editor, como a primeira edição grega publicada. Erasmo expressou, no prefácio da obra, que seu desejo era que cada pessoa tivesse a chance de ler a Bíblia.


Embora seja considerada a primeira edição moderna do Novo Testamento nesse idioma, ela foi precedida por uma edição bilíngue (grego e latim) de toda a Bíblia, a qual foi impressa dois anos antes e se tornou conhecida como a Poliglota Complutense.


Seu esforço em publicar o Novo Testamento na língua original surgiu em decorrência das influências humanistas que existiam na época. Esse movimento renascentista, que começou na Itália, alimentava o entusiasmo pelo estudo da arte clássica. Por esse motivo, havia um interesse peculiar em “voltar às fontes”, priorizando obras literárias em sua língua original.


Foi ele quem, possivelmente, mais contribuiu para lançar as bases do movimento da Reforma Protestante. Ao mesmo tempo em que deu significativo impulso para o estudo da Bíblia, também expôs o fanatismo e a ignorância monásticos, bem como os abusos eclesiásticos.


Apesar disso, ele jamais se declarou reformador no sentido protestante do termo. Chegou até a anunciar “guerra” contra Lutero. Embora continuasse discordando de Roma em muitos aspectos, não se dissociava dela. Seu desejo era uma reforma dentro da igreja e do papado.


Erasmo antecipou em suas obras literárias vários conceitos que, posteriormente, seriam considerados princípios típicos da Reforma Protestante, como o individualismo religioso; ou seja, a noção de que a verdadeira religião consiste na devoção interior e não em símbolos externos de cerimônias e rituais.



 

Por suas posições em relação à Igreja, ele adquiriu inimigos de ambos os lados, o que lhe trouxe amarguras em momentos diversos de sua vida. Porém, nada disso impediu que ele se tornasse muito respeitado em toda a Europa. Sua vida, obras e opiniões teológicas são objetos de estudo necessários a qualquer pessoa que deseja conhecer mais profundamente as origens da Reforma Protestante.


Erasmo versus Lutero


A relação de Erasmo com a Reforma Luterana foi complexa. No início, ele era favorável a mudanças na igreja e simpatizava com as críticas a ela feitas pelo reformista radical Martinho Lutero. Discordava também dos que, além de Lutero, enfatizavam a dependência do arbítrio humano à vontade divina. Em 1524, ele publicou seu famoso ensaio sobre o livre-arbítrio De Libero Animal (Do Livre Arbítrio), opondo-se a Lutero, para quem as pessoas não escolhiam livremente sua salvação, mas eram os sujeitos da predestinação. Lutero respondeu com violência e isso causou a ruptura entre ambos.


A obra foi escrita quando Erasmo estava em Basileia, na Suíça, morando lá desde 1521. A cidade tornou-se um foco de reformadores radicais a ponto de o culto católico ser ali proibido. Em 1529, ele se mudou para Friburgo, na Alemanha, onde trabalhou na universidade católica. Retornou à Basileia em 1535.




Erasmo não dava grande importância às 95 teses de Lutero pregadas na porta de uma igreja, mas concordava com a crítica à venda de indulgências.  Em muitas de suas obras, ele já havia formulado as convicções de Lutero, contrárias à prática mecânica dos ritos e ao culto fetichista de santos e relíquias, que substituem a religião baseada na piedade.


Erasmo acreditava piamente na Bíblia e a reverenciava como revelação divina. Para ele, a Escritura era a verdadeira fonte de teologia e devoção. Contudo, faltou-lhe uma compreensão mais profunda acerca do pecado e da graça. Essas doutrinas ocuparam mais detidamente o pensamento de Lutero. De fato, Erasmo e Lutero divergiram em vários aspectos. “Erasmo era dezoito anos mais velho que Lutero, e estava no auge da sua fama quando o reformador iniciou sua obra. Ele diferia de Lutero como Jerônimo diferia de Agostinho […]. Erasmo era essencialmente um erudito, Lutero, um reformador; o primeiro estava absorvido na Literatura, o outro, na religião. Erasmo visava à iluminação, Lutero, à reconstrução. O primeiro desenvolveu o intelecto de uma pessoa educada; o segundo tocava o coração do povo. Erasmo lutava pela liberdade de pensamento; Lutero, pela liberdade de consciência” (History of the Christian Church, v. 7, p. 412).




Elogio da Loucura


Instalado na casa do amigo Thomas Morus, em Londres, ele escreveu, em 1509, Elogio da Loucura. A obra traz uma crítica feita de uma forma irônica, porém objetiva e direta, aos costumes da fé cristã pregada pela Igreja Católica da época, sem atacar ninguém pessoalmente. Erasmo apresenta a Loucura como uma deusa que se intitula a grande responsável pelos deleites que o ser humano deseja obter no mundo. E é a Loucura quem fala em nome dele, que se coloca em uma posição inatacável e lhe permite todas as audácias.


Indignado com o luxo pagão das cidades dos papas, em que as críticas abertas podiam conduzir à fogueira, Erasmo utilizou a loucura para denunciar todos esses abusos. Dizia ele: Quantos tesouros materiais os santos padres abandonariam, se o juízo se apoderasse um dia de seu espírito. Sem dúvida, Elogio da Loucura é uma obra-prima. Ela foi publicada em 1511 e dedicada a seu amigo Thomas More.


A vida como um acadêmico profissional


Enquanto estava em Paris, Erasmo tornou-se conhecido como um excelente estudioso e palestrante. Um de seus alunos, William Blunt, Barão Montjoy, concedeu a ele uma pensão, permitindo-lhe adotar uma vida de estudioso independente, de cidade em cidade ensinando, dando palestras e correspondendo-se com alguns dos pensadores mais brilhantes da Europa.



 

Erasmo morreu sem chegar ao entendimento de muitas verdades que seriam restauradas durante os séculos seguintes. Conforme a Bíblia menciona em Provérbios 4:18, a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito. Apesar de ter sido um grande estudioso e se tornado a grande expressão do humanismo cristão da época, ele também teve suas limitações. Porém, não é possível mensurar o valor de sua contribuição, sobretudo o de sua publicação do Novo Testamento Grego. 


Obras de Erasmo de Roterdã


Erasmo foi um sábio e ávido leitor. Escreveu diversas obras literárias, filosóficas e de teor religioso das quais se destacam:

 

  • Manual do Cavaleiro Cristão
  • Elogio da Loucura
  • Os Pais Cristãos
  • Colóquios Familiares
  • As Navegações dos Antigos
  • Preparação para a Morte


Embora Erasmo não seja considerado por muitos estudiosos um reformador no sentido mais estrito do termo, não se pode negar sua influência sobre vários reformadores. Seu interesse pelas artes e as línguas clássicas, bem como sua ênfase na educação como meio de superar a baixa moralidade de sua época influenciaram de maneira marcante a teologia dos reformadores e sua mensagem de que cada pessoa devia conhecer a Bíblia por si mesma. 























domingo, 15 de maio de 2022

DANTE ALIGHIERI – INFERNO, PURGATÓRIO E PARAÍSO EM A DIVINA COMÉDIA

 






Como Dante influenciou o Humanismo e o Renascimento

 

Dante Alighieri (1265-1321), foi um dos maiores poetas da tradição literária ocidental e é considerado o poeta nacional da Itália. Ele teve um impacto decisivo no desenvolvimento da Literatura italiana com contribuições significativas para o início do Renascimento. Muitas de suas ideias e temas foram desenvolvidos por escritores, artistas e pensadores posteriores.

 

Ele ajudou a moldar a poesia do período e mudou decisivamente a direção da Literatura ocidental. Dante (abreviatura de Durante) ajudou a elevar o dialeto toscano à língua literária nacional da Itália. Estabeleceu as línguas vernáculas (vulgares) como línguas literárias e demonstrou que os grandes escritores não precisavam usar o latim. Esta foi talvez sua maior contribuição para o Humanismo e o Renascimento.

 

Grande admirador da escola siciliana, ajudou a popularizar o soneto seu estilo mais importante de verso. Também ajudou a popularizar os temas da poesia provençal na Itália. Esse tipo de poesia surgiu na Provença, sudoeste da França. Trovadores provençais celebravam o cavalheirismo e especialmente o amor cortês, estilo de poesia que enaltecia um amor inatingível, muito influente no Renascimento na Itália. Seu trabalho ajudou muito a difundir as ideias de amor cortês pela Europa do século XIV ao XVI.


Impacto causado por Dante na separação entre religião e política durante o Renascimento

 

Embora o tema de A Divina Comédia (1308-1320) seja religião e salvação, sua publicação é muitas vezes vista como o início do Renascimento e o fim do período medieval tardio na Itália. Parece contraditório o espírito do  Renascimento, que exaltava os prazeres deste mundo e do indivíduo, ter começado com uma obra voltada para a religião. Mas, para Dante, este mundo tinha seu valor e méritos e não era uma antecâmara para o outro mundo.




 Ele não achava errado ser feliz e desfrutar desta vida. Segundo ele, salvação eterna e felicidade terrena não eram incompatíveis. Contribuir para a vida cívica e política era de fato uma postura virtuosa. Essa ideia provou ser muito influente sobre os humanistas posteriores, que desempenharam um papel crucial no desenvolvimento do Renascimento. 


Grandes pensadores como Maquiavel foram influenciados por Dante. Em seu principal trabalho político ele argumentou que deveria haver uma separação entre Igreja e Estado. Isso contribuiu muito para o pensamento político renascentista.

 

Essa separação entre a Igreja e o Estado garantiu que os humanistas que o sucederam se sentissem livres para se concentrar no mundo secular, ou seja, na condição de quem vive no século, entre as coisas do mundo e da vida; o oposto do estado religioso, próprio dos que fizeram votos. Também deixou claro que o envolvimento no mundo secular não era incompatível com suas esperanças de salvação futura.

 

A política para ele era uma habilidade e não deveria ficar restrita por preceitos teológicos. Suas ideias também influenciaram alguns dos líderes da Reforma. O florentino exilado ajudou a mudar o discurso sobre o papel da religião na Europa. Grande poeta e teólogo religioso, sua concepção da dupla natureza do homem, uma terrena e outra eterna, foi decisiva no desenvolvimento de sua doutrina política.

 

Os pensamentos e ações políticas de Dante

 

Dante também esteve muito envolvido na vida política de Florença, região da Toscana. Em 1300, foi eleito prior, um dos nove membros do governo local, por um período de dois meses. Esse cargo foi a causa de seu infortúnio. Ele, como sua família, pertencia a uma das principais facções da cidade cuja política era muitas vezes sangrenta.

 

Naquela época, as cidades italianas estavam constantemente à beira de uma guerra civil entre os Guelfos, próximos ao Papa, e os Gibelinos, favoráveis ao Sacro Império Romano-Germânico.

 

O poeta lutou na Batalha de Campaldino (1289) quando a facção Guelfo da cidade derrotou os Arezzo Ghibellines. Após a vitória, os Guelfos mudaram a constituição e, para permanecer cidadão, Dante teve que se inscrever em uma Guilda, uma associação de comerciantes.

 

No entanto, como era típico da política rebelde na Itália medieval tardia, os Guelfos logo se dividiram em linhas ideológicas e se tornaram duas facções mutuamente hostis, os Guelfos Brancos (o partido de Dante) e os Guelfos Negros. Inicialmente os brancos estavam no poder e expulsaram os negros de Florença, mas o Papa Bonifácio VIII planejou uma ocupação militar da cidade.

 

Uma delegação de florentinos, com Dante entre eles, foi enviada a Roma para verificar as intenções do Papa. Enquanto ele estava em Roma, os Guelfos Negros destruíram grande parte da cidade e estabeleceram um novo governo.

 

Em 1302, com base em acusações amplamente falsas e fabricadas, um juiz ordenou que Dante e seus aliados fossem queimados vivos, caso tentassem retornar a Florença. As acusações incluíam fraude, extorsão, corrupção e até sodomia com um jovem. Dante recebeu a notícia de que seus bens haviam sido confiscados e que ele era considerado foragido e condenado ao exílio perpétuo.




 Quando o Papa possibilitou que Dante retornasse à Florença, a cidade se encontrava sob o domínio de Carlos Valois, aliado do Papa. No mesmo ano, ele foi condenado a uma pesada multa, sob a acusação de corrupção no cargo público que ocupava.

 

Em 1315, o oficial militar que controlava Florença concedeu anistia aos florentinos no exílio, mas o governo da cidade insistiu que os expatriados que retornassem deveriam pagar uma grande multa e fazer penitência pública. Dante se recusou, preferindo permanecer no exílio.

 

A Divina Comédia – sua obra-prima

 

Em A Divina Comédia, sua obra mais relevante, Dante mudou completamente as regras do jogo. Foi o primeiro poeta a escrever um livro de tamanho impacto no vernáculo (língua vulgar) florentino, no século XIV. Isso permitiu que o livro atingisse um público muito mais amplo, contribuindo substancialmente para a alfabetização mundial.

 

O poema representa a jornada da alma em direção a Deus. Na epopeia, Dante é guiado pela 'sombra' ou espírito do grande poeta romano Virgílio. É uma tentativa de demonstrar como os humanos podem se alinhar ao amor de Deus, visto como a força fundamental do Universo.

 

Ao contrário do que muitos pensam, o poema leva o nome de “Comédia” não por lançar mão de recursos de humor. Na verdade, esse termo é o oposto de “tragédia”. O próprio nome do poema indica que a história terá um final feliz para o protagonista.

 

No início, a obra foi chamada apenas de Comédia e mais tarde recebeu o adjetivo Divina, por intermédio do poeta Boccaccio. Considerada a primeira obra da Literatura italiana e mundial, sua grandeza não se resume ao conteúdo e sim à forma, à qualidade de sua poesia e às rimas extraordinárias.

 

Entre 1200 e 1300 a Itália era uma nação dividida em diversas pequenas cidades-estados. Em cada uma delas eram falados diferentes dialetos, chamados de línguas vulgares, ou seja, a língua comumente falada pela população. Tudo era escrito em latim e o vernáculo era usado apenas para escrever coisas de pouca importância.




Por que A Divina Comédia foi tão importante para o Renascimento?

 

Uma das características distintivas da cultura da Idade Média era que o latim era considerado a única língua adequada para obras literárias e filosóficas. Dante acreditava que as línguas vernáculas eram veículos válidos para a expressão literária e também adequado para certos gêneros como comédia, poesia e prosa.

 

Como já dissemos, Dante escreveu A Divina Comédia em florentino, mas emprestou outros dialetos regionais italianos e até o latim. A grande obra de Dante ajudou a tornar o florentino a língua literária da Itália. A influência de Dante durante o Renascimento se espalhou para o resto da Europa.

 

Isso persuadiu muitos escritores e poetas, como Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio,  a abandonar o latim e a escrever em sua língua nativa.  Essa mudança teve consequências que foram muito além do mundo literário. Foi assim que o vernáculo florentino se tornou não apenas o dialeto mais popular da Itália como também o mais famoso e prestigiado. Tanto que no resto da Itália falar florentino era considerado um sinal de grande refinamento. Isso ajudou a desenvolver uma consciência nacional durante o Alto Renascimento em particular, o que é evidente nas obras de Maquiavel.

 

Até hoje o poema épico é visto como referência para escritores, redatores e roteiristas, sendo considerado uma das obras-primas de toda a História. Ao contrário dos poemas épicos de Homero e Virgílio, que contavam os grandes feitos históricos de seu povo, A Divina Comédia de Dante é uma obra um tanto autobiográfica, ambientada na época em que viveu e povoada de figuras contemporâneas.

 

Guiado primeiro pelo personagem de Virgílio e depois por sua amada Beatrice, Dante escreveu sobre seu próprio caminho para a salvação pelo Inferno, Purgatório e Paraíso oferecendo julgamentos filosóficos e morais ao longo do caminho.

 

Dante aproveitou A Divina Comédia para acertar contas com muitos de seus inimigos, entre eles, o papa Bonifácio VIII, para quem reservou um lugar no inferno. Pela monumental influência que a obra exerceu sobre inúmeros artistas, Dante é considerado um dos maiores escritores que já existiram. Como escreveu o poeta TS Eliot, "Dante e Shakespeare dividem o mundo entre eles, não há terceiro".

 

O longo exílio de Dante

 

Por problemas estritamente políticos, Dante foi acusado de improbidade administrativa e condenado a pagar uma multa de cinco mil florins, a permanecer confinado dois anos e proibido de exercer cargos públicos para o resto da vida (1303). Como negou-se a pagar a multa ou a se justificar, foi condenado à morte, iniciando sua longa vida de exílio. De Siena partiu para Verona e depois para Bolonha (1304-1306).

 

O exílio pode ter sido difícil, mas o tornou extremamente produtivo. Ele acreditava veementemente que sua relevância no cenário da Literatura seria suficiente para que o exílio fosse revogado e ele pudesse voltar à Florença. Entretanto, por maior que fosse o sucesso alcançado, seu exílio jamais foi encerrado.




 

Dante aceitou um convite do governante de Ravenna para ficar naquela cidade. Foi em Ravenna que o poeta terminou a última de suas grandes obras e morreu em 1321, vitimado pela malária contraída nos pântanos de Veneza. Em Ravenna, ele foi enterrado com grandes honras. Seus restos mortais nunca foram devolvidos à Florença.

 

Casamento e amor platônico

 

Beatrice Portinari, que aparece em A Divina Comédia, foi seu grande amor platônico. Ela tinha apenas 9 anos e ela quase a mesma idade quando se conheceram. Beatrice foi adotada como musa inspiradora em toda a sua obra. Ao completar 16 anos, ele voltou a encontrá-la, presenteando-a com o primeiro de seus sonetos de amor.

 

Entretanto, aos 12 anos, Dante se casou com Gemma Donati, esposa que lhe deu três filhos. Prática comum à época, o casamento de Dante e Gemma já estava acertado entre as famílias quando ambos ainda eram crianças.

 

Em 1290, Beatrice faleceu. Com a morte precoce da amada, ele refugiou-se no estudo, entregando-se à leitura de autores cristãos e clássicos como Boécio, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Aristóteles, Ovídio e Lucano, atravessando um período de amadurecimento que o levou a várias mudanças em sua produção artística. Dois anos depois, Dante escreveu Vita nuova como um canto de louvor ao seu verdadeiro amor.

 

Obras literárias e filosóficas

 

La Vita Nova (A Nova Vida), é o relato em prosa e verso do amor de Dante por Beatrice Portinari, escrito na primeira pessoa. A narrativa começa a partir do instante em que ele a viu pela primeira vez quando tinha nove anos e ela quase a mesma idade dele. No texto em prosa e nos poemas Dante descreve seus sentimentos em diversas ocasiões. 


Após a morte de Beatriz, em 1290, o relato prossegue narrando o sofrimento pela perda irremediável e as dúvidas e angústias do poeta até que ele resolve nada mais dizer enquanto não puder falar dela “como jamais foi dito sobre mulher alguma”.


De Monarchia (A monarquia) – importante tratado político conhecido escrito em latim. Era único para a época porque Dante defendia uma Monarquia Universal e a separação entre Igreja e Estado. A obra é composta de três livros, mas o mais significativo é o terceiro, em que Dante confronta mais explicitamente o tema das relações entre o papa e o imperador

 

O BanqueteDante, Petrarca e Boccaccio também são chamados de "as três fontes" ou "as três coroas". Que venham a e que todos nós nos sentemos juntos em uma mesa, para o Banquete! Escrito em seus últimos dias, apresenta muitos de seus pensamentos mais convincentes sobre como uma vida de maturidade e civilidade deve ser conduzida.

 

De vulgari eloquentia (Sobre a eloquência vernácula) – ensaio escrito em latim, inicialmente pensando com quatro livros, mas abandonado no meio do segundo. O primeiro livro lida com a relação entre o latim e o vernáculo, e a busca por um vernáculo ilustre no território italiano. O segundo é uma análise do "canto", ou canção, um gênero literário.


 Cinco curiosidades sobre Dante Alighieri

 Brasil Escola - Dante Alighieri

 Vita Nova: O amor de Dante Alighieri e Beatrice Portinari

Dante Alighieri: biografia, obras e frases!