terça-feira, 15 de novembro de 2022

OVÍDIO, O POETA DAS METAMORFOSES E DOS AMORES

 





O poeta romano, Ovídio Nasóne Publio, e outros poetas gregos da sua geração, não conheciam as guerras civis que devastaram Roma durante o século I a.C.. Poetas antigos como Virgílio e Horácio, com seus valores patrióticos e estética classicista, já estavam muito distantes da geração de Ovídio, herdeiro da estética helenística que representa o gosto pela erudição e pela política social.






O poeta teve inúmeras amantes, casou-se três vezes. De seus três casamentos, os dois primeiros foram de curta duração, mas sua terceira esposa, de quem fala com respeito e carinho, permaneceu com ele até sua morte. Algumas de suas aventuras amorosas forneceram material poético para sua obra Amores.




Até onde se sabe, Ovídio mudou-se ainda jovem para Roma para terminar seus estudos com os professores Arelio Fusco e Porcio Latrón. Teve contato com os maiores escritores e poetas de seu tempo, como Messalla, Cornélio Gallo, Properzio, Orazio, e frequentou a corte do imperador Augusto. Ficou claro que ele tinha uma vocação e talento muito maior para a poesia, mas seu pai insistiu que ele treinasse em eloquência e jurisprudência para acessar uma carreira política.



Após uma viagem educativa à Grécia, Egito e Ásia, e uma estadia na Sicília ele exerceu magistraturas menores. De acordo com suas próprias palavras, desde que foi para a escola em Sulmona, sua cidade natal, ele já sentia uma forte inclinação para a poesia. Tudo o que tentei escrever saiu na forma de versos. Por isso, abandonou os estudos de direito, necessários para subir os degraus da carreira política. Foi para Roma a fim de construir um futuro como poeta, pois a cidade é dona de tudo o que existiu no mundo.



Características da escrita de Ovídio



Verso habilidoso de extraordinária facilidade e fluidez expressiva, imaginação fervorosa e temperamento inteligente de narrador, colorista e psicólogo. Ovídio é uma personalidade dominante na cultura latina, e sua influência se perpetua poderosamente na Idade Média, no Humanismo e no Renascimento



Nas elegias amorosas do primeiro período vive toda uma sociedade romana já profundamente diferente da tardo-republicana, muitas vezes angustiada por aqueles problemas revividos na poesia por Virgílio e Horácio. Em Metamorfoses e em algumas passagens das Heroides, é mais incisivo em seu talento de contador de histórias, de pintor do maravilhoso e em captar aspectos obscuros da alma feminina. 





Na primeira fase, sua poesia tem um tom casual e gira em torno do tema do amor e do erotismo. Amores, Arte de amar e Remédios de amor destacam-se pela maestria técnica no manuseio do dístico elegíaco, pela facilidade brilhante e às vezes pitoresca do verso.



O propósito didático, conselhos e exemplos de como seduzir mulheres e interagir com elas, misturam-se nessas obras com a anedota burlesca e um costume tingido de sátira. Aos olhos modernos, mais do que amor, trata-se de erotismo, ou mesmo de um simples repertório de anedotas picantes. Deve-se, é claro, levar em conta que o que se entendia por amor nos tempos antigos está mais próximo do que hoje podemos chamar de erotismo. Por isso, quando esses livros influenciarem o amor cortês dos trovadores(século XII), as diferenças também serão notórias.



A triste elegia do período de exílio, em que uma veia por vezes notável de poesia dolorosa, de evocação viva e dramática da pátria distante, é estragada pelo desejo de agradar o imperador, de comovê-lo à piedade e obter a revogação do anúncio. 





Principais obras de Ovídio


Os poemas de Ovídio são todos escritos em dísticos elegíacos, exceto Metamorfoses. Ele dividiu suas obras de antes do exílio em dois grupos: 


Escritos leves - Amores, Heroides e Arte de amar

Composições de temas mais sériosMetamorfoses e Fastos.


Amores - cancioneiro de amor em dísticos elegíacos em cinco livros publicados em intervalos em 14 a.C., começando por volta de 20 a.C.. Formam uma série de poemas curtos que descrevem as várias fases de um caso de amor com uma mulher chamada Corinna. Sua tônica não é a paixão, mas a exploração espirituosa e retórica do lugar-comum erótico; eles narram não um relacionamento real entre Ovídio e Corinna (que não uma mulher real e sim uma construção literária), mas todas as vicissitudes de um caso típico com uma mulher do submundo. A obra foi muito popular, a ponto de também ser publicada uma segunda edição, o que não era muito comum na antiguidade. 



Heroides - uma ideia já usada por Sexto Propércio foi desenvolvida em algo como um novo gênero literário. É a coleção de cartas que as esposas de heróis famosos enviavam para seus entes queridos, incluindo algumas respostas deles. Assim encontramos, entre outras, a carta de Penélope a Ulisses, a de Briseis a Aquiles, a de Dido a Eneias ou a de Helena a Paris.


O tratamento de suas fontes literárias é particularmente engenhoso; a correspondência de Paris e Helena é uma das obras-primas menores da antiguidade.


Arte de amar (Ars amandi ou Ars amatoria) - a obra mais importante de Ovídio, composta por três livros entre os anos 2 e 1 a.C. Era um manual técnico de sedução burlesca com instruções sobre como encontrar e conquistar um parceiro.


Metamorfoses - é um épico de grande alcance mas com um estilo muito particular, pois está imbuído da técnica lúdica e amorosa típica do autor. Um longo poema em 15 livros escrito em versos hexâmetros e totalizando cerca de 12.000 linhas. Ovídio contou e explicou a história de quase 250 mitos e lendas do mundo romano nos quais a metamorfose desempenha algum papel, por menor que seja. 


Foi uma obra madura em que o poeta combinou heroísmo com comédia, romance e elegia ao longo dos quinze livros que a compuseram. Felizmente para ele, Ovídio tinha muitos materiais para trabalhar e se inspirar, então ele pôde escolher a versão mais conhecida e satisfatória dos mitos para aumentar sua criatividade.




As histórias são contadas em ordem cronológica desde a criação do universo (a primeira metamorfose, do caos em ordem) até a morte e deificação de Júlio César (a metamorfose culminante, novamente do caos (Guerra Civil) em ordem (Paz Augusta). 


Não é por acaso que nas últimas linhas o poeta diz: "Cheguei à conclusão de uma obra que nem a ira de Júpiter, nem o fogo, nem o ferro, nem o tempo implacável poderão destruir". Ovídio atingiu o auge de sua popularidade. Suas obras, sem dúvida inovadoras, fizeram dele um dos maiores poetas de Roma.


Fastos (Fasti) - se inspiram na Aitia de Calímaco. O poeta quis ilustrar em dísticos elegíacos, em doze livros, um para cada mês do ano, e cantar em ordem a origem e os mitos associados às festas do Calendário Romano. O poema, em 8 d.C., foi interrompido no livro 6, devido ao exílio em Tomi.


Os vários festivais são descritos à medida que ocorrem e remontam às suas origens lendárias. O Fasti era um poema nacional, destinado a ocupar o seu lugar no programa literário de Augusto e talvez destinado a reabilitar o seu autor aos olhos da dinastia governante. Ele contém muitos elogios à família imperial e muito patriotismo, que o brilho indubitável das passagens narrativas não redime totalmente.


Medeia - desde os primeiros anos, no círculo de Messalla, Ovídio compôs essa tragédia, muito elogiada na antiguidade. A perda da tragédia de Ovídio, que ele escreveu ainda em Roma, é particularmente deplorável; foi elogiado pelo crítico Quintiliano e pelo historiador Tácito e dificilmente pode ter deixado de influenciar a peça de Sêneca sobre o mesmo tema.




Exílio até hoje  não explicado


O imperador Augusto, de repente, decidiu exilar Ovídio em Tomi, uma cidade perto do Danúbio e às margens do Mar Negro que Roma havia conquistado recentemente. As causas do exílio permanecem desconhecidas. O próprio poeta fornece, de forma bastante enigmática, duas razões para explicar sua queda em desgraça: 


Um poema - é razoável imaginar que se referia à imoralidade de uma de suas obras, Arte de amar. O imperador Augusto se aproveitou de sua posição de pontífice máximo e oficial de leis e costumes para tentar controlar todas as questões religiosas, sociais e morais da sociedade. Augusto se propôs a restabelecer os antigos costumes romanos, que em sua opinião haviam tornado Roma forte, poderosa e irrepreensível. 


Em particular, ele se preocupou em fortalecer o casamento, que foi considerado até o século I a.C. como a pedra angular da moralidade romana. Ele emendou e promulgou novas leis sobre adultério e castidade e colocou um limite aos divórcios. Também reconstruiu mais de oitenta templos e restaurou as principais ordens sacerdotais. 


Portanto, a condenação das obras amorosas de Ovídio não deve surpreender, pois não foi difícil encontrar uma crítica aos dois pilares básicos da sociedade romana que Augusto pretendia fortalecer: religião e família. Ovídio falava dos templos como lugares apropriados para socializar, dos adúlteros entre os deuses como exemplos a seguir e dava conselhos sobre como conquistar a mulher alheia. No entanto, é surpreendente que o imperador tenha decidido exilar o poeta por causa de um poema composto há oito anos.



Um erro - inúmeras hipóteses foram formuladas, embora nenhuma delas seja inteiramente conclusiva. Foi dito que talvez Ovídio tenha tido um caso com Lívia, a noiva do imperador; que pode ter sido uma testemunha involuntária do incesto de Augusto com sua própria filha Giulia; quem pode ter participado de uma conspiração contra Augusto liderada por Agripa Póstumo, sobrinho do imperador, ou mesmo quem pode ter testemunhado secretamente um rito misterioso de Ísis destinado apenas a mulheres. 




A teoria que atualmente desperta maior consenso é aquela que ligaria a punição de Ovídio com Júlio, sobrinho de Augusto, e com o senador Décimo Giunio Silano, ambos exilados no mesmo período de Ovídio e que podem ter cometido adultério com a cumplicidade do poeta.


Alguns pesquisadores têm especulado sobre a veracidade do exílio de Ovídio, visto que o que se pode supor sobre o assunto deriva principalmente das palavras do próprio poeta. No entanto, não sabemos até que ponto as informações fornecidas são confiáveis. O contraste entre seus escritos e os vários testemunhos parece indicar, ainda que não de forma definitiva, que Ovídio criou um mundo poético a partir de uma experiência real de exílio. 


No entanto, não está claro se o último aconteceu exatamente com Tomi. De qualquer forma, dado que suas composições são principalmente obras artísticas, pouco importa verificar se são ou não testemunhos confiáveis ​​de suas histórias pessoais. Nem as súplicas nem a lisonja do imperador ajudaram e, embora após a morte de Augusto em 14 d.C., Ovídio tenha tentado fazer com que Tibério revogasse a sentença, o novo imperador não atendeu aos apelos do poeta, nem aos de sua esposa Fábia. 


Obras escritas no exílio


Ovídio chegou ao seu local de exílio na primavera de 9 d.C. Tomis era um porto semi helenizado exposto a ataques periódicos dos povos vizinhos. Faltavam livros e alta sociedade; pouco latim foi falado; e o clima era severo. Em sua solidão e depressão, Ovídio voltou-se novamente para a poesia, agora de um tipo mais pessoal e introspectivo. 


Tristia e Epistulae ex Ponto foram escritas e enviadas a Roma à razão de cerca de um livro por ano a partir de 9 d.C. Eles consistem em cartas ao imperador e à esposa e amigos de Ovídio descrevendo suas misérias e pedindo clemência . Apesar de toda a sua depressão e autopiedade, Ovídio nunca recua da única posição com a qual seu auto respeito foi identificado - seu status de poeta





Epistulae ex Ponto - escrita no exílio das quais publicou três livros juntamente com as Tristia, elegias em forma epistolar, cada uma dedicada a um amigo em Roma (o 4º livro das Epistulae ex Ponto foi publicado postumamente), 


Íbis - poema que mostra como os poderes poéticos de Ovídio ainda não tinham sido seriamente prejudicados. Isso é uma longa e elaborada maldição dirigida a um inimigo anônimo. É uma amostra de força de aprendizado mitológico obscuro, composto em grande parte sem a ajuda de livros. Mas na ausência de qualquer sinal de encorajamento de casa, Ovídio não teve coragem de continuar a escrever o tipo de poesia que o tornou famoso.


Pónticas - tem destinatários claros, alternando expressões sinceras de gratidão para com amigos fiéis com decepção para aqueles que o esqueceram. Em várias ocasiões, ele até menciona que ficou sem inspiração e senso de humor e que teve pensamentos suicidas.


Influências na Literatura


A popularidade de Ovídio fazia parte, porém, de uma secularização geral e de um despertar para as belezas da Literatura profana. Ele foi o poeta dos eruditos errantes, bem como dos poetas vernáculos, dos trovadores e dos mineiros; e quando o conceito do amor romântico, em sua nova roupagem cavalheiresca ou “cortês”, foi desenvolvido na França, foi a influência de Ovídio que dominou o livro em que sua filosofia foi exposta, o Roman de la rose (Romance da rosa).


A popularidade de Ovídio cresceu durante o Renascimento, particularmente entre os humanistas que estavam se esforçando para recriar modos antigos de pensamento e sentimento, e as edições impressas de suas obras se sucederam em um fluxo interminável a partir de 1471. Nos séculos 15 e 17 seria difícil nomear um poeta ou pintor notável que não estivesse em alguma dívida com ele. As Metamorfoses, em particular, ofereceram uma das avenidas mais acessíveis e atraentes para as riquezas da mitologia grega. 




Mas o principal apelo de Ovídio vem da humanidade de sua escrita: sua alegria, sua simpatia, sua exuberância, sua qualidade pictórica e sensual. São essas coisas que o recomendaram, ao longo dos tempos, aos trovadores e aos poetas do amor cortês, a Geoffrey Chaucer, William Shakespeare, Johann Wolfgang von Goethe e Ezra Pound.




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sexta-feira, 14 de outubro de 2022

A POÉTICA DE ARISTÓTELES, UM MARCO NA FILOSOFIA E NA LITERATURA

 



Vimos na postagem sobre o Classicismo que uma das suas características é a volta aos clássicos das culturas grega e romanas. Abordaremos os principais autores desse período, iniciando com Aristóteles.


Aristóteles, filósofo e cientista macedônico, foi uma das maiores figuras intelectuais da história ocidental. Ele sistematizou o conhecimento da Filosofia Antiga, classificando as opiniões existentes e refletindo sobre elas. Sem conhecer sua obra, não é possível entender a filosofia ocidental. Mesmo após as revoluções intelectuais do Renascimento, da Reforma e do Iluminismo, os conceitos aristotélicos permaneceram incorporados ao pensamento ocidental. Infelizmente, dos mais de 200 tratados escritos por ele, restaram apenas 31.



 

Aristóteles foi o autor de um sistema filosófico e científico que se tornou a estrutura e o veículo tanto da escolástica cristã quanto da filosofia islâmica medieval. Discípulo de Platão e mestre do conquistador macedônico Alexandre, o Grande, fundou uma escola de filosofia chamada Liceu. No comando de algumas das cabeças mais competentes da Grécia, ele formaria em seu Liceu o primeiro centro de pesquisa científica aplicada, antecipando o aparato de produção de dados das academias contemporâneas.


O alcance intelectual de Aristóteles é vasto e cobre a maioria das ciências e muitas das artes, incluindo biologia, botânica, química, ética, história, lógica, metafísica, retórica, filosofia da mente, filosofia da ciência, física, poética, teoria política e zoologia. Ele foi o fundador da lógica formal (a ciência das leis do pensamento e a arte de aplicá-los corretamente na procura e demonstração da verdade.), concebendo para ela um sistema acabado que durante séculos foi considerado a somatória da disciplina. Pioneiro no estudo da zoologia, alguns de seus trabalhos permaneceram insuperáveis ​​até o século XIX. Seu Corpus enciclopédico definiu a epistemologia que está na base dos currículos de ensino superior ao redor do mundo.


A Poética de Aristóteles

 

Em sua obra Poética, Aristóteles procura abordar os diferentes tipos de poesia, a estrutura e a divisão de um poema em suas partes componentes. A poesia é definida por ele como um meio de imitação (mimese) que procura representar ou duplicar a vida por meio do caráter, emoção ou ação. A obra apresenta uma análise criteriosa não só dos elementos que compõem a poesia, mas das qualidades que brilham na boa poesia. 

 

Após um período de hibernação milenar, a obra renasceria incompleta ao olhar dos humanistas modernos. Popularizada como um manual de composição dramática, se revelou crucial para a formação da ópera italiana e do teatro barroco e neoclássico, suscitando mais de uma polêmica literária. Ainda hoje, muitos roteiristas de Hollywood recorrem às lições da Poética para aprimorar a sua arte. 




A tragédia, o épico, a comédia e a poesia 

 

Também conhecida como Sobre a Poética é um dos livros de teoria literária mais importantes de todos os tempos, uma reflexão sobre a estética de dois dos gêneros literários mais populares daquele momento: a tragédia grega e a epopeia.


Os críticos consideram que a obra inicial foi dividida em duas partes. A primeira sobre a tragédia e o épico e a segunda a respeito da comédia e da poesia. A segunda parte, no entanto, foi perdida.

 

Aristóteles criou uma espécie de manual sobre a tragédia indicando suas características e a definição do gênero. Nelas, também encontramos a comparação do gênero com outras artes e reflexões sobre mimese na criação de objetos artísticos. O principal objetivo do autor foi ensinar e mostrar o guia que deve ser seguido para escrever um bom texto literário.

 

A Poética deve ser compreendida como uma discussão sobre o modo de composição do poema. A obra procura abordar os diferentes tipos de poesia, a estrutura de um bom poema e a sua divisão em suas partes componentes. 

 

Mimese e arte

 

A mimese é usada por meio da linguagem, do ritmo e da harmonia. No caso da dança, por exemplo, o ritmo utilizado tem o objetivo de imitar paixões, sentimentos, personalidades, etc. Para Aristóteles, a Literatura é a arte que imita a realidade por meio da linguagem.

 

Em todas as fases de sua evolução, a mimese tem sido uma variável mais complexa e um conceito mais profundo do que sua tradução convencional de “imitação” pode transmitir. Esse conceito não é de forma alguma uma concepção estática de representação artística. A mimese gerou muitos modelos diferentes da arte, abrangendo um espectro de posições, do realismo ao idealismo.



Sob a influência dos modelos platônicos e aristotélicos, a mimese tem sido um ponto crucial de debate entre os defensores da teoria da representação refletindo e simulando o mundo nas artes visuais, musicais e poéticas.


Aristóteles nunca faz uma análise explícita do termo "imitação". Platão criou o termo porque acreditava que a arte era a cópia da cópia, duas vezes removida da verdade. A concepção de imitação de Aristóteles é um corretivo para Platão. A arte imita o mundo da mente do homem, mas não é mera imitação. É uma recriação. A poesia é algo mais filosófico e de importância mais relevante do que a história, pois suas afirmações são da natureza e não universais, enquanto as da história são singulares.

 

Catarse, um dos conceitos fundamentais na Poética 

 

Na religião, medicina e filosofia da Antiguidade grega a palavra catarse significa libertação, expulsão ou purgação do que é estranho à essência ou à natureza de um ser e que, por isso, o corrompe. No estrito sentido religioso, catarse é o estado de purgação espiritual que o indivíduo almeja, por exemplo, por meio da confissão. As emoções manifestadas pelos participantes de um ritual religioso são também demonstrações de catarse ou de purificação da alma.

 

Na estética e no teatro, catarse significa purificação do espírito do espectador por meio da remissão de suas paixões, especialmente dos sentimentos de terror ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico.

 

Para Aristóteles, o conceito de catarse representava a purificação das almas. Ela ocorria por meio de uma grande descarga de sentimentos e emoções, provocada pela visualização de obras teatrais. Embora, por exemplo, o reconhecimento de Édipo seja trágico, ele ainda o redime, pois, o personagem não está mais vivendo na ignorância de sua tragédia porque aceitou o destino. 




A redenção não é o único resultado da catarse; o público também passa por ela em um bom drama. A catarse do herói induz piedade e medo dos que estão na plateia, piedade pelo herói e medo de que seu destino possa acontecer com os espectadores.

 

As três unidades aristotélicas

 

Uma das maiores influências na Poética de Aristóteles foi a doutrina das 3 unidades que foi promovida por Agnolo Segni e V. Maggi:

 

Unidade de tempo: todo o trabalho deveria ocorrer no mesmo dia, em no máximo 12 horas.

 

Unidade de ação: poderia haver apenas uma ação na trama ou, no máximo, duas, mas elas estavam fortemente relacionadas.

 

Unidade de espaço: o espaço em que o trabalho foi desenvolvido também teve que ser reduzido para um ou dois.

 

A regra das três unidades ainda é uma interpretação da Poética de Aristóteles, mas foi muito importante para a história do teatro ocidental. De fato, manteve-se durante muitos anos e na Espanha foi Lope de Vega com a sua Nova Arte de fazer comédia que rompeu com essa tradição.

 

A influência da Poética de Aristóteles perdurou até meados do século XVIII, ou seja, até a chegada do movimento romântico, pois os poetas do romantismo defendiam que o ato poético não era algo criativo, mas sim um ato subjetivo e profundo, portanto, descartou a tese sobre a mimese da arte.



Definição e propósito da poesia

 

A poesia é uma “expressão de sentimentos”, enquanto a prosa “conta uma história”. Essa resposta reflete, de certa forma, a ideia que o público geral tem do propósito da poesia: exprimir sentimentos, criar imagens, sugerir afetos. Enquanto romances, contos e novelas narram histórias com início, meio e fim.

 

A poesia é um meio de imitação que procura representar ou duplicar a vida por meio do caráter, da emoção ou da ação. Aristóteles define a poesia de maneira muito ampla, incluindo poesia épica, tragédia, comédia, poesia ditirâmbica e até alguns tipos de música. Ditirâmbico diz respeito ao ditirambo que consistia numa ode entusiástica e exuberante dirigida ao deus, dançada e representada por um Coro de 50 homens vestidos de Sátiro. Na mitologia grega, os Sátiros eram divindades menores da natureza com o aspecto de homens devassos e luxuriosos, com cauda e orelhas de asno ou cabrito, pequenos chifres na testa, narizes achatados, lábios grossos e barbas longas. Os Sátiros tocavam tambores, liras e flautas e iam cantando à medida que dançavam em volta de uma esfinge de Dionísio. Há quem diga que usavam falos postiços.


Na tradição literária, a distinção essencial entre prosa e poesia deve-se não tanto ao conteúdo quanto à forma, e sobretudo ao metro (do grego metron, “medida”), uma estrutura rítmica definida sobre a qual se constrói o verso, ou seja, a linha poética. 

 

O metro era o critério essencial na criação poética até o século XIX, com a emergência da prosa poética e seguida pela aparição do verso livre, cujo ritmo é despojado de qualquer coerção métrica.

 

Poesia, poema e prosa

 

Aristóteles dedica todo o capítulo 4 para descobrir a origem da poesia e seu desenvolvimento. Segundo ele, a poesia surge porque o homem tende a imitar a realidade e, também, pela existência de ritmo e harmonia. Esses dois fatores naturais são o que faz surgir a poesia ou a arte da imitação por meio do uso da linguagem.

 

Nesse sentido, o autor justifica sua teoria ao indicar que os homens nobres (nobreza entendida como parte do caráter de uma pessoa, não por sua condição social) imitam as ações nobres. Já os homens mais vulgares imitam as ações dos homens mais grosseiros. Essa diferenciação de tipos de pessoas também leva à criação de dois gêneros literários: os versos heroicos e trágicos foram cultivados pelos nobres e os versos de comédia ou iambique foram criados pelos homens vulgares.

 

A natureza da poesia

 

Platão, notório por sua aparente antipatia por poetas, refere-se ao metro como uma vestimenta ou armadura que cobre as “palavras nuas” (logoi psiloi), ou seja, a prosa. Na sua Poética, Aristóteles reconhece o metro como o denominador comum dos diversos gêneros de poesia (Aristóteles, Poética 1447b 14-20).

 

Colando o verbo poiein ao nome do metro, eles chamam uns de “poetas elegíacos”, outros de “poetas épicos”, não pela representação (mimese), mas de acordo com o metro que usam. De fato, costumam-se chamar assim também aqueles que tratam, usando o metro, de medicina ou da natureza. Porém, não há nada em comum entre Homero e Empédocles além do metro, por isso, é mais justo chamar o segundo de especialista da natureza do que de poeta.


Como ilustra essa passagem, o uso do metro na Grécia antiga era muito mais amplo do que a ideia moderna de poesia. Em seus primeiros séculos, toda a Literatura grega era poética; até tratados científicos e filosóficos, como o Da natureza, de Empédocles de Acragas, eram escritos em versos. 

 

Aristóteles foi o primeiro a questionar a identificação convencional texto em metro = poesia, situando no centro de sua definição de poesia a noção de mimese, traduzida ora por “representação” ora por “imitação”. Empédocles escreve versos com um propósito científico (ou didático), não mimético: nada, em sua obra, imita ou representa a ação humana. Ele, portanto, não deveria ser considerado poeta, mas sim um “escritor científico”. A essência do poético, segundo Aristóteles, reside no seu caráter mimético. O metro só não basta à poesia.



A poesia e sua estrutura rítmica 

 

A distinção essencial entre prosa e poesia deve-se não tanto ao conteúdo quanto à forma, e sobretudo ao metro: uma estrutura rítmica definida sobre a qual se constrói o verso, ou seja, a linha poética.

 

A representação nos é natural, assim como a melodia e o ritmo (o metro é parte do ritmo). Desde o início, aqueles mais naturalmente inclinados a tais coisas desenvolveram, pouco a pouco, a poesia a partir da improvisação. Tem-se aqui um ponto central da estética aristotélica, que, em momento algum, reivindica-se como arte pela arte. A mimese, inerente à natureza humana, não provoca somente prazer ao homem, ela é um modo de aprendizado. A poesia, enquanto expressão mimética, mantém essa função e reveste-se assim de uma importância moral. 

 

Atualmente, as definições de Aristóteles podem parecer ultrapassadas quando a arte já não tem sempre um dever mimético e se considera, desde Nietzsche, independente da moralidade. Mas, na época onde a história se escreve em tweets, onde jornalistas viraram ideólogos e youtubers, é reconfortante lembrar do velho filósofo e saber que, pelo menos na poesia, há verdades que permanecem inalteradas.

 

A verdade de Édipo Rei não é aquela de um antigo rei de Tebas (que provavelmente nunca existiu) que matou o pai e casou-se com a mãe. O que o espectador (ou leitor) aprende ao ver representadas ações dos personagens e suas consequências, é a verdade sobre a arrogância humana, sobre os perigos do poder, sobre a inexorabilidade do destino.

 

Diferenças entre poesia e história

 

No tempo de Aristóteles, os textos eram sempre escritos em verso. Os textos científicos também foram construídos por meio do verso. Isso significava que, inicialmente, qualquer um que escrevesse em versos era considerado um poeta. Mas Aristóteles, em sua Poética, fez a distinção entre os artistas que escreviam Literatura em verso e os especialistas que se encarregavam de escrever textos científicos em versos. Escrever Literatura não é o mesmo que escrever ciência ou história e, por isso, Aristóteles criou a divisão entre as duas modalidades.

 

O dever do poeta, diz Aristóteles, não é contar o que aconteceu na realidade, mas o que poderia acontecer, por necessidade ou probabilidade. O historiador relata fatos e eventos, muitos dos quais são frutos do acaso ou não se podem explicar. Cabe ao poeta expressar, na sua representação desses fatos e dos homens que participam deles, aquilo que, nas circunstâncias e na ação de um homem, é útil a todos os homens (Poética, 1451a 38 – 1451b 10). É por isso que a poesia também é mais filosófica e elevada que a história, já que a poesia diz antes o geral e a história, o particular.


O mito que gerou a tragédia grega

 

A tragédia grega nasceu do culto de Dionísio. Existem muitas lendas sobre o nascimento de Dionísio. A principal é que ele nasceu em Tebas e era filho de Zeus com uma mortal chamada Sêmele, filha de Kadmos (rei de Tebas). Heras, esposa de Zeus, era muito ciumenta por causa do caso entre seu marido e Sêmele. Ela convenceu Sêmele a implorar a Zeus que aparecesse à sua frente com todo o seu poder. Zeus, disposto a agradar a amante, apareceu na frente dela acompanhado por trovões e relâmpagos. Com isso, provocou um incêndio na casa de Sêmele e causou a morte da amante. Zeus recolheu do ventre de Sêmele o fruto inacabado de seu amor e colocou-o em sua coxa até que a gestação se completasse.

 

Quando a criança nasceu, Zeus confiou-a às Ninfas e aos Sátiros do monte Nisa. E numa gruta, cercada de densa vegetação, vivia feliz o filho de Sêmele com Zeus. Certa vez, Dionísio colheu cachos de uvas, espremeu as frutas em taças de ouro e bebeu com as Ninfas e os Sátiros, que, embriagados juntamente com Dionísio, dançavam do delírio báquico (do deus Baco) e caíram por terra desfalecidos.




Os devotos de Dionísio, após a dança vertiginosa, acreditavam sair de si pelo processo do êxtase. Esse sair de si, superar a condição humana, exigia um mergulho em Dionísio, pelo processo do entusiasmo. O homem simples e mortal (antropos), em êxtase e entusiasmo, comungando com a imortalidade, tornava-se herói, um varão que ultrapassou o metro, ou seja, transpôs a linha invisível que separa o humano do divino.

 

A tragédia, a comédia e a poesia épica

 

A forma de poesia à qual Aristóteles dedica mais atenção na Poética é a tragédia. A tragédia, segundo Aristóteles, veio dos esforços dos poetas para apresentar os homens de maneira “mais nobre” ou “melhor” do que na vida real. A comédia, por outro lado, mostra um “tipo inferior” de pessoa e revela que os humanos são piores que a média. A poesia épica, por outro lado, imita homens nobres como a tragédia, mas só tem um tipo de mediador – ao contrário da tragédia, que pode ter vários – e é narrativa.

 

Existem algumas diferenças entre a tragédia e o épico. Um poema épico não usa música ou espetáculo para alcançar seu efeito catártico. Os épicos geralmente podem ser apresentados em uma sessão, enquanto as tragédias costumam usar outras formas de mediadores para alcançar os ritmos da fala de diferentes personagens.

 

A comédia na Poética de Aristóteles

 

A comédia foi o gênero amplamente tratado na segunda parte da Poética. No entanto, acredita-se que o texto tenha se perdido durante a Idade Média e, até hoje, desconhecemos sua existência. O livro O Nome da Rosa, de Umberto Eco fala sobre a perda desse importante texto. No entanto, embora não tenhamos o texto, é verdade que durante a primeira parte há alguns indícios do que Aristóteles considerava sobre esse gênero. Ele o define como uma imitação dos personagens mais ridículos do ser humano, ou seja, algo como uma imitação do pior que define nossa espécie.



A tragédia - a imitação de realidades dolorosas

 

A tragédia, segundo Aristóteles, é uma imitação de uma ação séria e completa, dotada de extensão, em linguagem condimentada para cada uma das partes (imitação que se efetua) por meio de atores e que opera, graças ao terror e à piedade, a purificação de tais emoções. Para o autor, a tragédia é a imitação de realidades dolorosas, e sua matéria-prima é o mito, em sua forma bruta. É oportuno dizer que a teoria ocidental do drama ainda mantém fortes laços com as suas reflexões sobre a poética e ainda continuam oportunas e válidas.

 

O épico e tragédia

 

Na época de Aristóteles ainda não existia o conceito de Literatura, ou seja, a arte que se criava por meio da linguagem chamava-se poesia. Segundo o autor, havia duas formas de realizar essa mimese: 

 

 Poesia épica - por meio da narração dos fatos em primeira pessoa (como ocorre na Ilíada ou na Odisseia de Homero

Tragédia - pela exposição de sentimentos e emoções do ser humano

 

É importante destacar o que diferencia os dois gêneros. Tanto sua extensão, quanto o tipo de métrica utilizada, bem como o caráter narrativo da obra são diferentes independentemente do gênero em que estamos. Para o filósofo, a tragédia é a imitação elevada, ou seja, idealizada, de uma ação e possui 6 partes que a caracterizam:


1.    A fábula

2.  Os personagens

3.  A dicção

4.  O pensamento

5.  O espetáculo

6.  A melodia

 

Uma peça trágica não é responsável por imitar a realidade externa, mas se concentra em imitar ações realizadas por seres humanos, bem como emoções. No último capítulo da Poética Aristóteles lança um debate sobre se a tragédia é superior à épica ou vice-versa. Ele acaba defendendo que a tragédia é superior ao épico porque tem todos os elementos do épico e, além disso, tem efeitos cênicos e música que reforça sua mensagem.





Seis elementos na tragédia 

 

Enredo - é “a alma” da tragédia, porque a ação é fundamental para o significado de um drama, e todos os outros elementos são subsidiários. É necessário ter começo, meio e um fim. Também deve ser universal em significado, ter uma estrutura determinada e manter uma unidade de tema e propósito. 

 

Em outras palavras, para se criar uma boa tragédia, é preciso que se mantenha a unidade da trama. E isso significa uma sequência bem organizada de eventos necessários ou prováveis. O começo não deve seguir os eventos anteriores, e o fim deve amarrar todas as pontas soltas e não produzir as consequências necessárias ou prováveis.

 

Trama - é a alma da tragédia, e o personagem vem em segundo plano. 

 

Pensamento - significa o que um personagem diz em uma determinada circunstância, seguido por dicção musical própria para o espetáculo. 

 

Os elementos da trama incluem completude, magnitude, unidade, estrutura determinada e universalidade.

 

Completude -  refere-se à necessidade de uma tragédia ter começo, meio e fim. Um começo é definido como uma origem pela qual algo naturalmente acontece. 

 

Magnitude - refere-se simplesmente ao comprimento (duração) – a tragédia deve ter um comprimento que possa ser facilmente abraçado pela memória

 

Unidade - refere-se à centralização de toda a ação da trama em torno de um tema ou ideia comum. 

 

Estrutura determinada - refere-se ao enredo e à sequência de eventos causais e imitativos. 

 

Universalidade - refere-se à necessidade de um personagem agir de acordo com a forma como os seres humanos agiriam ou reagiriam em determinada situação.

 

O herói trágico não é um homem eminentemente bom nem ruim. Ele deve ser um modelo de virtude que é derrubado pela adversidade, cuja origem está na sua própria “fragilidade” ou falha, que está evidente desde o início de uma peça, que o público deve ser capaz de se identificar. A desgraça é provocada por um erro de julgamento. Édipo é o seu exemplo de herói que sofre essa reversão e, portanto, tem um autorreconhecimento catártico. 

 

Reviravolta -  é a modificação que determina a inversão das ações, e esta deve se dar, retomando a nossa fórmula, segundo o verossímil ou necessário como ocorre em Édipo: o mensageiro chega pensando que vai reconfortar Édipo e libertá-lo do pavor que sente em face de sua mãe, mas à medida que revela quem de fato era Édipo, produz, justamente, o inverso...” 

 

Realização da tragédia

 

Podemos dizer que a tragédia só se realiza quando o metro é ultrapassado. É o momento em que o ator se transforma em outro. Um exemplo disso eram as Mênades, sacerdotisas do deus, as Bacantes, as Possessas, também chamadas de “furiosas” ou “impetuosas”, que chegavam ao delírio possuídas pelo deus Dionísio.

 

Os personagens que sofriam de húbris, que é um tema comum na mitologia e nas tragédias gregas, sofriam as consequências da sua transgressão, eram castigados pelos deuses. A húbris ou hybris é um conceito grego que pode ser traduzido como "tudo que passa da medida; descomedimento" e que atualmente alude a uma confiança excessiva, um orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência (originalmente contra os deuses), que com frequência termina sendo punida.

 

 A tragédia ocorre com a ultrapassagem do metro pelo homem, e isso origina a nêmese, o ciúme divino, provocando a cegueira da razão do herói. Será subjugado sem apelo pela moira, ou seja, pela loucura.





Dois momentos importantes na tragédia
 

Em primeiro lugar, a ação crescente, que leva ao clímax, conhecida como complicação. Em segundo lugar, o desenlace ou o desenrolar que segue o clímax. Esse movimento duplo segue a teoria da unidade poética. A complicação leva à revelação da unidade no cerne da obra. Após essa revelação, tudo se encaminha para o desenlace, em que o significado e as ramificações da unidade são explorados e resolvidos.

 

Epopeia - ação única e completa com começo, meio e fim

 

Uma epopeia deve lidar com um único evento. A ação deve ser única, completa, ou seja, com começo, meio e fim. Como a tragédia, a epopeia também pode ser dividida em dois grupos: o simples e o complexo. O épico simples se volta para o caráter moral do herói, enquanto o épico complexo se volta para o sofrimento e a paixão. O hexâmetro heroico (é uma forma de medida poética literária consistindo de seis pés métricos por verso, em que os quatro primeiros pés podem ser dátilos ou espondeus; e onde o quinto pé será dátilo, e o sexto, espondeu − como na Ilíada) é o medidor certo para um épico. Um poeta épico deve falar o mínimo possível em sua própria pessoa. Em uma epopeia, o elemento do maravilhoso deve ser introduzido. As possibilidades prováveis devem ser preferidas às possibilidades improváveis.

 

Aristóteles discute os méritos relativos da Epopeia e da Tragédia. A Epopeia é livre da vulgaridade e do agir; enquanto na tragédia, a vulgaridade é culpa dos atores. Aristóteles insiste que a tragédia é a melhor forma de arte, pois tem todos os elementos da epopeia. Além disso, também possui música e espetáculo. Seu efeito é mais compacto e concentrado, e também tem mais unidade que o poema épico. Por isso ele conclui que a tragédia é a melhor forma de arte.

 

Após uma digressão sobre a nomenclatura de alguns gêneros literários, Aristóteles conclui:

 

Há também artes que usam todos os meios aqui relatados, ritmo, melodia e metro, como a poesia ditirâmbica, a poesia nômica, a tragédia e a comédia. (Poética, 1447b 24-27).

 

Aristóteles, infelizmente, não trata de todos os tipos de Literatura e de sua relação com a mimese (a maior parte do primeiro livro da Poética é de fato dedicada somente à tragédia). Aplicando o raciocínio aristotélico à terminologia moderna, chegar-se-ia às seguintes definições: 

 

Poesia é a arte que usa, como meios de realizar a mimese, linguagem e ritmo.

 

 Alguns gêneros poéticos usam tão somente linguagem e ritmo (como a épica), outros, linguagem, ritmo e melodia (como os gêneros de poesia cantada). 

 

Prosa literária ou “ficção

 

A arte que realiza a mimese pelo uso da linguagem pura, sem ritmo, é o que hoje chamaríamos de prosa literária ou ficção e englobaria o romance, o conto, a novela, etc. A não ficção, ou seja, a prosa científica, filosófica, ensaística, etc., faz uso da linguagem pura, mas não realiza mimese. Os antigos tratados filosóficos em verso, como o de Empédocles, preenchem as condições formais da poesia, pois usam linguagem e ritmo, mas também não são miméticos e excluem-se assim da teoria poética de Aristóteles.

 

Como a Poética influenciou a Literatura

 

Deve-se dizer que, na época em que foi publicada, a obra não teve muito sucesso, pois coincidiu com outra obra do filósofo: a Retórica. No entanto, ao longo dos anos, sua influência foi indiscutível e muitas das questões levantadas no texto foram debatidas: especialmente o conceito de mimese e a divisão das artes proposta por Aristóteles.

 

Vemos uma das primeiras influências da Poética em Horácio, o poeta que, seguindo as orientações de Aristóteles, criou sua própria Poética que também tinha uma intenção normativa, mas, nesta ocasião, não se concentrava apenas no dramático, mas em todo o setor narrativo. Horácio traz alguns conceitos interessantes como a necessidade de credibilidade na ação dos personagens e argumenta que nem sempre a intervenção divina é necessária para resolver o enredo.