sábado, 11 de junho de 2022

FRANCESCO PETRARCA, O PRIMEIRO HUMANISTA NA LITERATURA

 





Debate entre as paixões terrenas e as ordenanças espirituais



Francesco Petrarca foi um estudioso dedicado. Apreciador do período clássico, ele venerava aquele tempo e contestava as limitações de sua própria época. Ele acreditava que a humanidade poderia mais uma vez alcançar as alturas das realizações passadas, mesmo vivendo "em meio a tempestades variadas e confusas". A doutrina que ele adotou ficou conhecida como Humanismo e criou uma ponte entre a Idade Média e o Renascimento.



Em Avignon, França, ele conheceu o estudioso agostiniano Dionigi di Borgo San Sepolcro, que o orientou para uma maior consciência da importância da Literatura patrística cristã. Dionigi lhe deu de presente o livro Confissões, de Santo Agostinho de Hipona, teólogo considerado precursor da Igreja cristã. 



O contato com a obra do teólogo gerou em Petrarca um processo interno de questionamento da existência. Ao longo da sua vida ele se debateu entre as paixões terrenas e as ordenanças espirituais, tema recorrente em sua obra poética.



Sem nunca abandonar suas crenças religiosas, Petrarca foi um estudante sagaz das obras de Santo Agostinho, a quem ele considerava mais significativo do que Aristóteles, figura que então preocupava muito os estudiosos. Para Agostinho, crer é a condição para conhecer a Verdade. Uma razão que tentar conhecer sem crer, jamais conseguirá. A fé, portanto, não é um fim em si mesma, mas impulsiona a razão para que, purificada, ela possa continuar seu exercício.





No outono de 1330, ele entrou ao serviço do Cardeal Giovanni Colonna, após ter recebido as quatro Ordens Menores necessárias para uma carreira eclesiástica. Em 1333, como clérigo, ele viajou para França, Flandres, Brabant, Renânia e Alemanha com o objetivo de aprofundar o seu conhecimento da Literatura clássica. Mesmo não sabendo ler grego, ele juntou diversos manuscritos como a Ilíada de Homero. Também redescobriu cópias de cartas e discursos do estadista e autor romano Cícero



Essas experiências levaram-no a defender ativamente a ligação efetiva entre a cultura clássica e a mensagem cristã, rejeitando as discussões dentro do sistema escolástico. A filosofia escolástica tinha como principal característica a ligação com a fé cristã. A filosofia era encarada como uma ciência auxiliar da teologia, sendo uma busca racional para solução de problemas religiosos. Os filósofos estavam preocupados em formular, interpretar, explicar ou demonstrar os dogmas católicos.



Em 8 de abril de 1341, no Capitólio, ele recebeu convites de Roma e de Paris, para ser coroado poeta em Roma. Petrarca há muito pressionava o Papa para ter o título que, para ele, simbolizava a possibilidade de poetas e estudiosos poderem levar a Itália e a Europa de volta aos dias de glória da Pax Romana do Império Romano. 






A influência de Petrarca no Renascimento


No início do Renascimento, voltar-se para a antiguidade em busca de inspiração era considerada a melhor maneira de avançar no pensamento, na arte e na arquitetura. Petrarca foi um dos primeiros a fazer isso. O poeta chegou mesmo a imitar as cartas de Cícero em suas próprias obras ao escrever peças dirigidas a antigos eruditos famosos do passado, bem como contemporâneos e líderes cívicos.



A escrita de Petrarca



O interesse de Petrarca pela Literatura clássica refletiu-se em seus próprios versos e sonetos latinos. Seus primeiros poemas, escritos enquanto ele era estudante de Direito, eram sobre o tema da morte de sua mãe. 



Muitos estudiosos consideram difícil estabelecer uma ordem cronológica de suas obras, devido às muitas correções e edições que foram dadas posteriormente. Sabe-se, porém, que elas eram baseadas no amor e na falta de amor e em seu conflito existencial entre a religião e as ações profanas.



Petrarca tinha em mais alta consideração a sua obra África, um poema épico sobre a Segunda Guerra Púnica. Seus poemas vernaculares (em língua vulgar) alcançaram maior renome.  Mais tarde eles seriam usados ​​​​para ajudar a criar a língua italiana moderna, assunto já abordado no post sobre Dante Alighieri.



O uso de sonetos influenciou poetas em toda a Europa e atingiu profundamente a Literatura renascentista. As composições vernáculas mais conhecidas de Petrarca eram poemas líricos sobre Laura, a mulher que ele conheceu na igreja em Avignon em 6 de abril de 1327. Laura é mencionada em diversas obras como Laura de Noves, personagem esposa de um nobre francês. Sua amada morreu devido à praga da Peste Negra, em 1348, 21 anos depois de Petrarca a ter conhecido. 



Mesmo depois da morte de Laura, ele continuou escrevendo sobre ela durante a maior parte da sua vida.  Ninguém até hoje conhece a verdadeira identidade de Laura, mas não há dúvidas quanto à sua existência ou à intensidade da paixão platônica do poeta, que perdurou após a morte da amada como uma saudade melancólica. 





Petrarquismo


O estilo literário de Petrarca, conhecido como Petrarquismo, surgiu no século XV e se prolongou até o século XVII. Sua preferência pelo latim nos estudos ajudou a continuar o uso dessa língua durante o Renascimento, mas ele preferia usar o vernáculo na poesia. 



Seu principal foco de estudo foi a poesia lírica, baseada nos temas amorosos. A poética petrarquista destacou-se como exemplo de perfeição a partir de uma linguagem simples e inovações métricas, tal qual o uso de versos hendecassílabos, compostos por onze sílabas poéticas.



Principais obras de Petrarca


Suas obras são divididas em duas partes: as escritas em latim e as escritas em linguagem vulgar ou coloquial. Com as suas obras em latim, o poeta ambicionava alcançar o máximo reconhecimento, pelo fato de terem sido elas que lhe proporcionaram mais triunfo. 


Poesias 


Laura e o Canzonière - em 1348, Petrarca perdeu vários amigos e a amada Laura durante o surto da Peste Negra. Ele se refugiou em Vaucluse, onde organizou seus poemas, que foram publicados como Canzonière ou Rerum vulgarum fragmenta, escritos no vernáculo toscano com vocabulário extra de outros dialetos italianos. A temática do Canzonière vai muito além do amor platônico de Petrarca e delineia uma nova lírica a partir da seleção do que havia de mais refinado e vigoroso nos dois séculos anteriores.



Seus 366 poemas, sendo 227 sonetos, divididos em duas seções: a primeira, de 1 a 263, é dedicada a Laura em vida e a segunda, de 264 a 366, a Laura em morte. O conteúdo cobre os temas de amor não correspondido, amor perdido e arrependimento, entre outros. Tal solução para o seu problema espiritual mostrou-lhe que o amor que nutria por Laura estava errado, pois era um amor pela criatura e não pelo Criador. Se o gênero soneto existia antes de Petrarca, foi ele quem o sintetizou e lhe imprimiu as marcas principais que se conservam intactas quase 700 anos depois.






África - poema épico sobre a Segunda Guerra Púnica (218-201 aC) entre Roma e Cartago. O poema se concentra na vida do grande general romano Publius Cornelius Scipio Africanus. Inserida nos escritos latinos de Petrarca, a obra é composta em hexâmetro, métrica muito utilizada nos escritos clássicos.



Livro de músicas - esta obra foi originalmente chamada Fragmento de Coisas em Vulgar, e mais tarde como Livro de Músicas de Petrarca, é composta por cerca de trezentos sonetos e poemas. Como o próprio nome indica, foi escrita em linguagem vulgar. Narrado em primeira pessoa, expressa os sentimentos de Petrarca por Laura. Além de descrever seu amor platônico, ele também narra sua experiência espiritual. Sua musa se torna um anjo e se comunica com Deus para que ele lhes dê permissão para viver seu amor do ponto de vista moral.



Mesmo após a morte de Laura, Petrarca continuou escrevendo por alguns anos até concluí-la. Isso permitiu que ele incluísse sua tristeza pela perda de sua amada. A obra também contém alguns poemas que tratam de questões políticas, amizade, moral e até patriotismo.



Trionfi (Triunfos) - poema alegórico escrito entre 1351 e 1374, mas nunca concluído. Conta a passagem da alma humana para a iluminação e o conhecimento de Deus. 


Textos em prosa



Da vida solitária - faz parte dos escritos em prosa de Petrarca, entre 1346 e 1356. Reúne aspectos de questões morais e religiosas. Seu objetivo principal é a conquista da perfeição moral e espiritual não baseada na religiosidade.



Inclina-se para a meditação e a vida em solidão como ato reflexivo. Também é orientado para o estudo, a leitura e a escrita como forma de favorecer o processo de concentração; daí começa a liberdade como indivíduos e a essência da felicidade proposta por Francesco Petrarca.



Secretum - obra datada de 1347 e 1353, narra uma conversa fictícia entre Petrarca e Santo Agostinho diante da figura da Verdade, que permanece como observadora. Embora Petrarca abra a mente às explicações de Santo Agostinho, não tem forças para deter seus desejos. O nome é dado porque toca em questões pessoais do escritor e, a princípio, a obra não deveria ser publicada. Sectrum é composto por três livros:


  1.  Santo Agostinho diz ao poeta quais são os passos que ele deve seguir para alcançar a paz em sua alma. 


  1. Análise e confrontação das atitudes negativas de Petrarca. 


  1. Análise aprofundada dos dois grandes sonhos do escritor italiano, que são a paixão e a glória por sua amada Laura, que ele considera seus dois maiores defeitos.



Resumo de cartas ou coleções epistolares - são obras que não podem ser deixadas de lado por sua relevância do ponto de vista autobiográfico, pois contêm muitas informações sobre a vida de Petrarca. Foram escritas em latim e agrupadas por data. Na obra, o autor é visto como uma pessoa perfeita e magnífica. Para sua posterior publicação, as cartas foram examinadas e, em muitos casos, reescritas. Destacam-se Família, Senile e Sine Nomine Líber.



De Remediis Utriusque Fortunae - a tradução do título do latim seria algo como Remédios para os extremos da fortuna. Escrito entre 1360 e 1366, em prosa e em latim. A obra ajudou a reviver o interesse pelo estoicismo. São uma série de falas dentro de 254 cenas, que por sua vez são interpretadas por figuras alegóricas, onde se tenta captar a educação e a moral.



De Viris Illustribus (Homens) - Petrarca começou a escrever esta obra em prosa em 1337, baseada numa série de biografias, incluindo Adão, do Antigo Testamento e muitas figuras romanas. A princípio, ele narrou a vida do representante da província de Pádua, Francesco da Carrara. A primeira ideia era narrar a existência dos homens que fizeram história em Roma.



Começou por Rômulo, considerado o fundador da cidade, para chegar a Tito. Porém, só foi até Nero, último imperador da conhecida dinastia Júlio-Claudiana. Posteriormente, Petrarca acrescentou figuras proeminentes da história da humanidade. O trabalho foi extenso, mas nunca concluído. 



Posteritati (Carta à posteridade) - o conteúdo principal desta obra é de natureza humanista. Refere-se às qualidades que a sociedade futura deve ter para se realinhar com certos aspectos que havia perdido, especialmente aqueles relacionados às convenções clássicas de cidadania e à persistência do latim como língua.



De Otio Religioso - nesta obra, o autor expõe o estilo de vida que se vive dentro dos mosteiros e a importância de viver uma vida tranquila por meio da serenidade e da paz. Sua elaboração se deu em dez anos, especificamente de 1346 a 1356. 





Retiro e bolsa de estudos


Petrarca parece ter adotado a abordagem da vida de Cícero, o erudito romano cujas obras ele redescobriu enquanto procurava textos antigos nas bibliotecas da Europa. Essa abordagem era otium cum dignitate (lazer bem gasto), ou seja, um homem instruído deveria encontrar o equilíbrio certo entre uma vida pública totalmente ativa e uma vida privada reclusa dedicada ao estudo. 



Por oito anos ele ficou em Milão sob o patrocínio de Giovanni Visconti e depois Galeazzo II Visconti, desfrutando de reclusão e liberdade para estudar enquanto usava sua caneta para incitar a paz entre as cidades e estados italianos. 



Petrarca continuou a escrever pelos próximos 25 anos, construindo um impressionante catálogo de estudos. Ele até rejeitou uma oferta de seu grande amigo, o poeta e estudioso Giovanni Boccaccio de um cargo na Universidade de Florença



Tentando evitar a Peste Negra e acabando em Veneza, o poeta recebeu pelo menos uma casa em troca de deixar em testamento sua biblioteca pessoal para a cidade. Em 1367 ele se mudou pela última vez para a reclusão de Arquà nas colinas nos arredores de Pádua.




Biografia



Francesco Petrarca nasceu em Arezzo, Itália, dia 20 de julho de 1304. Seus pais eram o tabelião florentino Ser Petracco e Eletta Canigiani. Desde pequeno, sua família morou em diversas cidades francesas e italianas, uma vez que seu pai fora um exilado político.



Por volta de 1311, sua família mudou-se para Avignon, na França, lar dos papas agora exilados. Ele estudou Direito, primeiro em Montpellier, na França, em 1316 e depois de volta à Itália, em Bolonha



Sua paixão era a Literatura, particularmente a da Grécia e da Roma antigas. Estudou línguas, Literatura, gramática, retórica e dialética. Durante uma visita surpresa, o seu pai descobriu alguns livros escondidos e começou a queimá-los. Movido pela súplica do filho, ele poupou do fogo a Retórica de Cícero e uma cópia de Virgílio



Após a morte de seu pai em 1326, Petrarca deixou o Direito para se concentrar nos estudos clássicos. Livre para perseguir seus próprios interesses, ele abandonou a lei e participou da elegante vida social de Avignon.



No início de sua vida profissional, ele teve que se contentar com tarefas triviais de escriturário até que algo melhor aparecesse. Assim, ele aceitou pedidos menores e trabalhou para o cardeal Giovanni Colonna em Avignon até 1337. Seu compromisso exigido com o celibato não o impediu de ter dois filhos ilegítimos, Giovanni, em 1337 e Francesca, em 1343.



Vida pública



Durante todo o tempo, ele manteve uma propriedade nas colinas de Vaucluse, perto de Avignon, à qual retornava esporadicamente ao deplorar o que via como corrupção e duplicidade da vida da corte nas cidades que lhe davam emprego. 



Morte e legado



Petrarca sofreu um derrame em 1370, em Ferrara, enquanto viajava para Roma. Ele se recuperou e continuou a escrever, mas morreu em julho de 1374, em sua casa fora de Pádua, enquanto trabalhava em sua mesa. Quando seu corpo foi descoberto, sua cabeça estava descansando em um manuscrito do autor romano Virgílio. Petrarca foi enterrado em Arquà.



Como um dos primeiros estudiosos clássicos do mundo, Petrarca desenterrou vastas reservas de conhecimento nos textos perdidos que descobriu, enquanto sua filosofia do humanismo ajudou a fomentar o crescimento intelectual e as realizações do Renascimento. O legado de Petrarca também inclui seus poemas, sonetos e outros escritos. Sua escrita vernacular foi imortalizada quando foi usada – ao lado das obras de Dante Alighieri e Giovanni Boccaccio – como base para a língua italiana moderna.
















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